Fake News, Shitstorm e Candystorm: como blindar a democracia?

Compartilhe esta notícia:

Por: Luciléia Aparecida Colombo*

Não é novidade para ninguém que o Brasil e o mundo apresentam desafios que são contemporâneos ao surgimento e expansão dos meios de comunicação, especialmente pela popularização das mídias eletrônicas e das redes sociais. Ao mesmo tempo em que a internet surgiu com a esperança de avanços na democracia, com maior acesso dos cidadãos às notícias que os afetam, houve, paralelamente, processos que causam alguns problemas relacionados ao mau uso das ferramentas do ciberespaço. Autores como Caldas e Caldas (2019) estão se empenhando em pesquisar com mais clareza os efeitos destes novos fenômenos na democracia.

A primeira delas, é a famosa e mal falada Fake News, que são notícias falsas, com o intuito de causar confusão para os receptores, os quais geralmente são usuários de redes sociais e de aplicativos de trocas de mensagens. Perigosas, representam um primeiro grande desafio para a democracia, especialmente pela dificuldade em combatê-las e pela facilidade de propagação; utilizam de técnicas fraudulentas e de má fé, como confusão de datas, de nomes de pessoas, de logomarcas, misturando por vezes notícias parcialmente verdadeiras, em um emaranhado difícil de desatar.

Na mesma seara das fake News, o fenômeno do big-data ainda traz outras duas novidades: a candystorm e a shitstorm, que também colaboram para tornar a internet e o ambiente virtual propício a comentários que podem exaltar ou difamar uma pessoa.

As shitstorms, embora pouco conhecidas com essa denominação, são fáceis de serem identificadas: dizem respeito às tempestades negativas de comentários que os usuários de internet fazem em postagens, opiniões ou até mesmo em registros fotográficos. Como Garcia (2015, p. 185) ressalta, a definição de shitstorm não objetiva um debate coletivo ou à propagação do consenso social. Ao contrário, está atrelada ao ódio e à banalização do insulto na internet, com a certeza da impunidade: é o famoso “efeito manada”. Tanto quanto as fake news, as shitstorms também são difíceis de serem combatidas, especialmente porque as redes sociais criam uma falsa visão de proximidade e de confiança entre as pessoas, o que, irremediavelmente colabora para a disseminação do ódio coletivo.

Paralelamente ao conceito de shitstorm, as candystorms são notícias divulgadas pelos usuários com o objetivo de valorizar determinado comportamento, de maneira hiperbólica. Assemelham-se às shitstorms especialmente porque são reações coletivas desenvolvidas em meio virtual com grande sentimentalismo, desconsiderando a racionalidade de determinado fato. Exemplos de candystorms podem ser observadas quando algum cidadão faz um ato de bondade e imediatamente recebe nos meios virtuais, elogios; ou quando os simpatizantes políticos defendem seus candidatos de maneira exacerbada e sem nenhuma justificativa plausível, apenas baseando-se na paixão desenfreada e tantas vezes, cega.

Os três fenômenos aqui rapidamente tratados têm influência direta na democracia, por três conjuntos de razões: em primeiro lugar, porque corriqueiramente as fake News são utilizadas para criar narrativas que podem favorecer ou destruir candidatos ou partidos; por seu turno, as shitstorms e candystorms, cada qual com a sua especificidade, também colaboram para a notoriedade de uma situação ou de uma pessoa, positiva ou negativamente. Em terceiro lugar, esses fenômenos tratados em conjunto podem causar confusões e desagregar os eleitores e cidadãos, dificultando a construção de um projeto coletivo de sociedade.

Como cidadãos, devemos sempre nos perguntar: isso é realmente verdade? Quais as fontes desta notícia? E perseguir a verdade, com todas as dificuldades, como já previa Carlos Drummond de Andrade, neste poema:

“A porta da verdade estava aberta,

mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava

só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade

voltava igualmente com meio perfil.

E os dois meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram a um lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em duas metades,

diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

As duas eram totalmente belas.

Mas carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia”.

(Carlos Drummond de Andrade, Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar: 2002).

*Luciléia Aparecida Colombo é taquaritinguense e Professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: